No dia 05 deste mês a Coletiva.net publicou um artigo desse escriba onde faço uma reflexão sobre o que o título deste post propõe.
Para minha honra e orgulho, hoje, leio um artigo que aborda a mesma linha de reflexão na Folha de São Paulo de hoje.
Do brilhante Clóvis Rossi.
Legal saber dessa modesta e aparente convergência.
Seguem , primeiro o meu texto da Coletiva e, depois o do nobre Clóvis Rossi.
Confiram ai
Semelhanças entre Brasil e África?
Por Gil Kurtz, para Coletiva.net
05/02/2018 18:11
Sim,
o continente africano e o nosso País têm muitas semelhanças, desde aspectos
culturais herdados do período colonial como também aspectos geográficos.
Podemos citar as extensas áreas florestais: nós, a Floresta Amazônia; lá, a
Floresta Equatorial do Congo. Os maiores rios do mundo, também, é algo comum:
Amazonas e no continente o Congo.
Você
deve estar pensando: esse espaço é voltado para temas de comunicação,
propaganda e branding e o autor vem com semelhanças geográficas entre Brasil e
África? Por favor, continue lendo e chegaremos lá.
Começo
falando dos Gupta, uma família multimilionária indiana que "manda" na
África do Sul e é suspeita de ter explorado sua amizade com o presidente Zuma
para sonegar impostos, influenciar na nomeação de ministros, e claro, garantir
contratos com o governo. Não, não estou me referindo a uma família baiana.
Aliás, essa é outra semelhança entre nosso País e o continente africano. Tem
mais outra: em junho do ano passado, o site The Daily Maverick noticiou que a
família e dirigentes das empresas trocaram centenas de e-mails entre si e que
demonstravam o quanto estes se beneficiavam das relações com o governo
sul-africano. Até agora, ainda não surgiram as planilhas com apelidos, mas
devem surgir logo.
Enquanto
isso, o grupo empresarial já paga por suas práticas que rasgam as mais
elementares regras de compliance. Os quatro maiores bancos da África do Sul
encerraram as contas de empresas controladas pelos Gupta.
Dito
isso, quem já foi devidamente penalizado por práticas pouco contemporâneas
tanto da família quanto do governo? A McKinsey, a maior consultoria do mundo.
Como
foi noticiado, no início desse mês, o braço sul-africano da Coca-Cola veio a
público comunicar que deixou de trabalhar com a referida consultoria fruto de a
mesma estar envolvida num escândalo político naquele país. A maior fabricante
mundial de refrigerantes e sua engarrafadora não irão mais contratar a
consultoria até que sejam concluídas as investigações sobre possível corrupção.
Portanto,
caro leitor e leitora, o mundo mudou. Mesmo que a empresa não tenha cometido
nenhum "erro" com a empresa de refrigerantes, ela cometeu um maior:
esqueceu que imagem e reputação são fundamentos básicos no novo mundo
monitorado pelas plataformas digitais e regras de compliance simples, mas
inegociáveis. Dá pra imaginar as empresas do grupo Gupta sem conta bancária e
uma renomada empresa de consultoria fazendo vistas grossas para práticas
antiéticas de seus clientes? Não deu outra, a míope pagou rápido por essas
práticas: perdeu a Coca-Cola. Certamente no século XX as coisas teriam um
"jeitinho". Mas agora não. Independentemente do tamanho de sua
empresa ou marca suas práticas éticas serão consideradas normais, o contrário
poderá levar sua empresa e marca ao lixo corporativo.
Agora confiram o do Clóvis.
Impressionam as
coincidências na história contemporânea de Brasil e África do Sul.
É a repetição de
batidas semelhantes feitas pela PF brasileira no curso da Operação Lava Jato.
Foi precisamente
essa promiscuidade entre os Gupta e o presidente Jacob Zuma que levou o
governante ao ocaso consumado com a renúncia nesta
quarta-feira (14), assim como foi a associação Lula-Odebrecht que causou a condenação do ex-presidente.
Zuma ainda ameaçou
resistir, mas acabou se rendendo, ante a iminência de uma moção de desconfiança
que seria votada nesta quinta-feira (15).
Há pano de fundo igualmente
coincidente e mais emblemático: Brasil e África do Sul compartilham uma
história recente de sonhos adiados.
Os do Brasil foram
recorrentes: a eleição de Tancredo Neves, que marca o fim da ditadura; o Plano
Cruzado que pôs fim (efemeramente) ao terror da inflação: o Plano Real, que de
fato a derrotou; a eleição de Lula e seu mantra de que a esperança vencera o
medo.
Já na África do
Sul, o fim do apartheid, em 1994, parecia a certidão de nascimento para um
sonho multicolorido: uma pátria democrática para todos, negros, brancos,
mestiços, indianos (importante minoria), e com um nível de desenvolvimento
superior ao de todos os vizinhos.
Parte desse sonho
virou realidade: ao contrário da esmagadora maioria dos países africanos, a
África do Sul não foi devastada por guerras tribais e nem se tornou uma
ditadura.
O que falhou foi
pôr fim também ao apartheid econômico e social de que sofrem até hoje os
negros. Exemplo eloquente: nos dados estatísticos comparativos coletados pelo
governo alemão para a cúpula-2017 do G20, a África do Sul aparece como o país
mais desigual entre todos os 20. Os 10% mais ricos abocanham impressionantes
51% da riqueza nacional, deixando apenas 1% para os 10% mais pobres.
É bom dizer que o
Brasil aparece logo a seguir no infame torneio de concentração de renda.
As coincidências
prosseguem na análise que faz das causas da estagnação sul-africana a
professora Cheryl Hendricks, do Departamento de Política e Estudos
Internacionais da Universidade de Johannesburgo:
"Decadência da
elite em meio à pobreza; acumulação de riqueza por meio da proximidade com
recursos do Estado e da captura do Estado; desafios na prestação de serviços e
incapacidade de prover segurança humana".
Aposto que você já
leu algo muito parecido sobre o Brasil. E também pensou algo como o que disse
Ace Magashule, secretário-geral do CNA sobre o caso Zuma: "O país
necessita uma esperança renovada".
https://www.youtube.com/watch?v=Zi0RpNSELas